A maior descoberta de minha vida

A maior descoberta de minha vida


Descobri que o que sou mesmo é “INVENTOR”

Invento consertos e soluções

Invento músicas, letras e instrumentos

Invento artes plásticas e reinvento coisas do lixo

Invento poesias e poéticas...

Invento tanto, todos os dias,

Que desconfio ser eu minha maior invenção.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Produto

Rótulos e embalagens
cada vez mais sofisticados
engodos
engordas
enganos
entulhos
entalhos numa cabeça
de madeira petrificada
produtos esculpidos com as ferramentas das necessidades que não precisam

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Delírio e Morte

Passou a mão pelos cabelos – estavam ensebados. Pelo número de vezes que dormiu e acordou, desde o último banho, calculou quinze dias. Devia ter aproveitado melhor aquela oportunidade, seu desleixo agora era denunciado pela resistência oposta a seus dedos rumo ao couro cabeludo (há muito carente de massagens ternas). Breve momento de lucidez (ou de falta de clareza, pensaria acerca de outros da mesma laia em tempos áureos de exercício de seu mestrado em filosofia na universidade do estado). Voltou-se para Flor, sua cadela e companheira; a este ponto já havia recuperado seu habitual estado psíquico alucinatório. Observou-a atentamente e ouviu dela um grito de clamor – não tinham que aturar, nem ela nem ele, os olhares todos a lhe atribuírem poderes de rei – nobre sim, como todos de seu totem! – Mas isso não haveria de ser motivo suficiente para tanta pompa e tratamentos diferenciados. Levantou-se e gritou um som extraído do desespero: – Me deixem em paz, eu nada tenho a lhes dizer! – deitou-se novamente e dormiu. Sonhou com o reinado que lhe fora concedido por hereditariedade e que há muito ficara sem seu soberano, já que resolvera explorar terras longínquas. Em seu sonho também estava seu povo, tão desprovido do conforto do qual agora desfrutava descaradamente.
Acordou já decidido a voltar para sua gente, para seu reino.
Ao se preparar para a insólita viagem quis somente o necessário. Escolheu dentre suas posses um casaco, seu cinto (de corda de sisal), sua moringa (de garrafa PET) e seu cajado de cedro (de cabo de vassoura de piaçava). Chamou, em ordem única, sua companheira e partiram.
Cada novo lugar e cada novo rosto diante de seus olhos eram novos mundos a serem explorados, ultrapassados. Depois de algum caminhar deteve-se estupefato. Conseguiu suportar somente alguns instantes antes de se precipitar violentamente em direção ao sujeito que lhe afrontava com gestos obscenos, livro de magias em punho, discursando a respeito de um deus que não era o seu. Desferiu-lhe golpes certeiros e ininterruptos com seu cajado, ferindo-lhe o crânio e os braços. Foi contido por súditos uniformizados que chegaram em carruagens cinzentas vindas não sabia de onde. Jogaram-no na masmorra. Bateram-lhe. Aplicaram-lhe choques elétricos por todo o corpo. Fizeram-no retornar de seu mundo de rei rebelado. Voltou a ser Lúcido dos Anjos – personagem de seus pesadelos. Voltou a ser escravo. Voltou a ser o professor de filosofia. Voltou a ser RG e CPF. Voltou a perder-se. Adormeceu.
Um beijo terno em sua face fê-lo despertar. Sua companheira agora já não era Flor – a princesa da qual guardava vagas lembranças – era Lírio, uma bela mulher de plástico, pensava. Por mais que se esforçasse (e nem era o caso) jamais alcançaria a profundidade no olhar da qual esbanjava Flor. Entorpecia, sim, mas pela feitiçaria de sua beleza vazia e passageira. Pelos olhos de Flor via-se a grandeza da alma do universo; via-se Deus. Essas reflexões o entristeceram.
Estava atordoado, tudo à sua volta era branco e incomodamente quieto. Só a ansiedade de sua esposa quebrava o mórbido silêncio daquele lugar: - te procuraram por toda a parte, achávamos que havia morrido! – desabafou histérica.
Talvez tivesse sido melhor... Talvez houvesse mesmo morrido. Talvez aquela “consciência” fosse uma nova encarnação no mesmo corpo. Lembrou-se de suas habilidades filosóficas.
- seu filho há meses não dorme e não come direito. Tem tido pesadelos horríveis!
Era verdade, tinha um filho! De herança deixou-lhe os pesadelos, pensou. Entristeceu-se um pouco mais. Tentou lembrar-se de outros detalhes de sua vida mas algo dentro de si negou-se a levar tal empreitada adiante. Desistiu, dormiu, surtou. Era seu reino novamente lhe chamando. Era seu povo clamando por seu soberano pródigo. Era preciso libertar-se.
Voou pela janela, para junto de sua verdadeira companheira. Novamente estavam na estrada. Saltitaram leves e felizes pelas mais fabulosas trilhas, em fantásticas florestas, ora de vidro, ora de pedras, ora de luzes. Desejou do fundo de sua alma não ter mais aqueles sonhos com aquela família de plástico atormentando-lhe os pensamentos. A liberdade não está na dor! Está onde sempre esteve, seja alcançada ou não. Mirou sua alegre companheira  sem uma gota sequer de consciência, invejou-a.
Beijos molhados a removerem as remelas de seu olho – assim foi despertado naquela tarde nublada de uma estação qualquer. Mais uma vez recomeçara, lembrou-se de seu reino e de seu reinado distantes, teve preguiça de continuar. Calou sua consciência por não conseguir reconhecê-la em sua geografia.
Da próxima vez que dormisse ou acordasse (já não sabia mais) não voltaria a se deparar com aquelas atrocidades. Como pode alguém suportar tamanha tortura: família, filhos, domingos encaixotados, empoltronados, felicidades fabricadas... NUNCA!
Caminhou durante três dias mais. Deparou-se finalmente com o portal, com inscrições claras em seu arco superior, como em suas visões: “Reino de paz eterna”, entrou. Todos mortos! Milhares e milhares de túmulos. Chorou, estava fraco, as lágrimas escassas... Teve forças para entregar suas últimas posses ao barqueiro das águas ausentes. Uma cova aberta o aguardava. Os beijos molhados de sua companheira foram ficando cada vez mais distantes. Tudo foi se transformando progressivamente em uma espécie de programa televisivo adornado por flash-backs de alucinações controladas por minúsculas pílulas, administradas regularmente de tempos em tempos. Do lado de fora, somente um corpo inerte teimando em manter-se funcionando.