A maior descoberta de minha vida

A maior descoberta de minha vida


Descobri que o que sou mesmo é “INVENTOR”

Invento consertos e soluções

Invento músicas, letras e instrumentos

Invento artes plásticas e reinvento coisas do lixo

Invento poesias e poéticas...

Invento tanto, todos os dias,

Que desconfio ser eu minha maior invenção.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Reconhecimento





Água gelada no rosto. Mãos em favor do reconhecimento geográfico. Algo mudou... O lado de dentro já não consegue conversar com o espelho diante dos olhos.
– Que horas são?
– Não importa – respondeu-lhe a voz grave, tão familiar, atrás de si.
– Claro que importa! Há semanas estou neste estado! Talvez há meses! – esbravejou.
– Você está linda! E suas feições nunca estiveram tão serenas.
– Este é o problema! – começou a chorar – Veja! Essas feições não mais me pertencem. Meu rosto parece ter vida própria!
– Que bobagem! Você continua a mesma criança desprotegida de há dois anos, só que hoje te amo ainda mais!
– Dois anos?! Você disse dois anos?!
– Esqueça! O tempo não importa. Cinqüenta anos passarão e você será ainda uma criança, eu lhe prometo.
– Do que é que você está falando... Dois anos... Não é possível...
– Tudo é possível meu amor. O tempo pra você correrá ao contrário, a natureza também! Agora, vamos, tome o seu café, já está servido. Amanhã, logo que acordar, notará, será uma nova pessoa!
Café, sempre café. Gosto amargo-adocicado. Pra acompanhar, uma fatia de pão com geléia. Ao leva-los à boca, notou, não era a sua... estava mais carnuda, abertura menor... Susto súbito! De que cor eram mesmo seus olhos? Alívio. Azuis como o céu da primavera dizia sua mãe quando ainda era muito pequena. Uma xícara atirada para longe. No espelho confirmara o reflexo espelhado no gosto amargo-adocicado - Estavam verdes, cristalinos como nunca!
Precisava sair – AR! Desvencilhara-se do sono já habitual (o café parecia fazer-lhe efeito contrário).
– Vai sair? – perguntou-lhe a voz grave que foi respondida com um assentimento de cabeça. Foram ao shopping. Já havia se acostumado com a superproteção, não opôs resistência à companhia. A vinte metros à sua frente, ao saírem da loja de maquiagens, sua melhor amiga (desde a infância) – há quanto tempo não a via...? – lentamente em sua direção parecia reconhecer mais a companhia a seu lado que a ela própria. Esboçou sentimentos calorosos, recebeu frieza e formalidades, sentia-se perdida. O tom grave do marido alertara-lhe sobre amizades.
Em meio a sobressaltos regulares sonhou durante toda a noite. Homens de branco. Em todos o mesmo rosto, esculpido em mármore, inerte. Todas as caras eram do Sr.Dr.Seu marido, homem com quem havia se casado mais por sua própria carreira promissora de modelo que pelas afeições que por ele sentia - cirurgião plástico de renome, podre de rico. Agora, em seu sonho, todos haviam se transformado em enormes relógios a girar em sentido anti-horário numa ciranda que a cada volta se aproximava mais e mais dela. Sentiu pavor claustrofóbico. Tentou gritar, sua voz não saía. Todos os relógios, agora, um a um, puseram-se a entrar dentro dela por uma fenda aberta em seu ventre. Em segundos, ela própria havia se transformado em um gigante relógio com ponteiros anti-horários. Por fim conseguiu gritar e seu grito era um choro de criança a implorar proteção.
Olhou-se no espelho naquela que supunha ser a manhã seguinte... Outra pessoa, não sabia mais reconhecer sua alma.
Tempo! Lembrou-se de olhar no calendário. Não era possível! Três anos desde que conhecera seu marido. Somente algumas semanas, talvez alguns meses, era o que ela supunha... Nada mais lhe pertencia, nem seu próprio tempo.
Lembrou-se do dia no shopping e do vendedor inconveniente da loja de maquiagens: - muito bonita sua filha! – disse ele – E muitíssimo parecida com o senhor!
Não reconheceu a atitude do marido que repentinamente abandonou a loja sem olhar para traz.
Olhando novamente para o espelho, atentou-se para o detalhe. O rosto angelical que carregava e independia de si era a imagem grave, porém feminina, do Sr.Dr.Seu marido.

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