A maior descoberta de minha vida

A maior descoberta de minha vida


Descobri que o que sou mesmo é “INVENTOR”

Invento consertos e soluções

Invento músicas, letras e instrumentos

Invento artes plásticas e reinvento coisas do lixo

Invento poesias e poéticas...

Invento tanto, todos os dias,

Que desconfio ser eu minha maior invenção.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Hoje, apresento-lhes outro conto. Uma história realística, possível e crua. Como é caracteristico dos contos que o Mário escreve.
Com a narrativa do autor, fica fácil "ver" toda a cena, com seus personagens em todos os pormenores.
Um texto forte, sem tornar a leitura pesada. Um enredo surpreendente sem a pretensão de levar ao ouvinte qualquer "lição de moral" ou coisa que o valha.

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Esfregava-se, pacientemente ao balançar característico dos coletivos em trajeto esburacado contorcia-se baixinho, com gemidos imperceptíveis espremidos entre estranhos familiares passageiros. Hora e meia de fulminantes orgasmos, ponto a ponto, cheiro a cheiro, corpo a corpo. Quando encoxada demorava-se mais, às vezes deixava-se nos braços fortes de algum por dois ou até três pontos para além do seu, depois descia, culpada pelo atraso provocado em função de um gozo impensado. Culpava-se, mas só às vezes, de nunca ter tido coragem de romper as paredes condicionais de seu sexo, amargamente volvia estes pensamentos e segurava-se firme no próximo corrimão de ônibus da próxima volta-do-trabalho. Aliás, foi Dna.Edite a responsável pelo trabalho na “casa de família”. A mãe fez de novo como sempre fazia, pegou-a pelo braço e levou-a a assistente social como quem dizia: - “edite” novamente esta minha desgraça, não vou mais acaricia-la com o MEU pão de todo dia. Um empreguinho não lhe cairia nada mal, editava-a Dna.Edite. Casa de família, casal de velhinhos já assexuados pra que não se corra o risco da prenhice indesejada – sabe como é essa burra juventude – um salariozinho bacana que vai ajudar muito à senhora Dna. Mãe, etc., etc., etc.
A caminho de casa, naquele dia, pensou novamente nesta passagem de sua vida. No caminho que era seu fim de prazer. No seu prazer incompartilhado. Na falta e fartura duas vezes por dia vividas nas esfregações dos coletivos. Nos orgasmos gélidos dos ferros dos bancos. Nas entranhas que ardiam e aquietavam-se três ou quatro vezes por viagem. Quis morrer!
Afeiçoou-se certo dia por uma rapariga magra com rosto de anjo e foi sua primeira grande paixão e seu primeiro desencontro amoroso. Entremeio a delírios orgásmicos, seios com costas, boca com nuca, respiração ofegante, quase escandalosa, um grito lhe feriu os ouvidos como lanças agudas a atravessarem-lhe o coração - MORTE ÀS LÉSBICAS MALDITAS! Infinito caminhar até à porta de saída demorada qual o tempo da criação do universo para se abrir e faze-la sumir. Neste dia não foi trabalhar. Foi à praça para ser queimada em público pelo sol que às nove da manhã já se ardia em brasas. Suou frio, calafrio! Mudou de horário no trabalho. Uma hora mais cedo de castigo para a indulgência de si própria. Nunca mais amoleceu seu coração. Secou-o àquele sol ao ponto da carne seca. Iria conserva-lo assim.
Pôde sentir de outra vez o rijo e imponente cheiro de um gigante a tremer entre suas nádegas em busca desesperada de atenção. Fez-se de morta diante daquela novidade embora estivesse gostando - passou do ponto por mais de uma vez, porém. Melou-se com o gozo alheio. À noite, pela primeira vez, refazendo aquele filme, tocou-se, acariciou-se, machucou-se, desmanchou-se, chorou-se, amargurou-se, olhou-se e era só escuridão e noite.
Ontem, resolveu voltar a pé, sabia que seriam horas de caminhada noite adentro, arriscou. Caminhava passo a passo lentamente sem se importar com a noite. Pensava na vida sem saber que era sobrevida, sofrida, desvivida, desviada de seu curso. Pensava na falta de carícias ofertada por todos aos quais pôde conhecer. O pai com o qual sonhou e nunca teve, nem em registro de nascimento. A mãe que dedicava toda sua carne ao marido hostil. O padrasto a encarar suas pernas com babas a escorrer-lhe pelos cantos da boca. O homem colocado diante de si por um deus maldito qualquer, com olhos de fogo que não iluminavam a rua escura e deserta. Uma bofetada acariciante e mais carícias das unhas que lhe rasgavam a roupa e a pele. Nunca estivera tão próxima de alguém. Nunca ninguém estivera tão dentro dela. Teve tempo de gritar mas só gritou ao tempo do imenso prazer que lhe invadia. Vadia! Puta! Carícias para os ouvidos, lembranças de uma infância distante. Queria que seu príncipe se tivesse demorado mais, pensou que talvez não tivesse esse direito, chorou como criança. Desapareceu de si com os últimos golpes de carícia metálica de um punhal que a muitas outras haviam acariciado.

(Carícias - Mário Deganelli)

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