A maior descoberta de minha vida
A maior descoberta de minha vida
Descobri que o que sou mesmo é “INVENTOR”
Invento consertos e soluções
Invento músicas, letras e instrumentos
Invento artes plásticas e reinvento coisas do lixo
Invento poesias e poéticas...
Invento tanto, todos os dias,
Que desconfio ser eu minha maior invenção.
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Reconhecimento
Água gelada no rosto. Mãos em favor do reconhecimento geográfico. Algo mudou... O lado de dentro já não consegue conversar com o espelho diante dos olhos.
– Que horas são?
– Não importa – respondeu-lhe a voz grave, tão familiar, atrás de si.
– Claro que importa! Há semanas estou neste estado! Talvez há meses! – esbravejou.
– Você está linda! E suas feições nunca estiveram tão serenas.
– Este é o problema! – começou a chorar – Veja! Essas feições não mais me pertencem. Meu rosto parece ter vida própria!
– Que bobagem! Você continua a mesma criança desprotegida de há dois anos, só que hoje te amo ainda mais!
– Dois anos?! Você disse dois anos?!
– Esqueça! O tempo não importa. Cinqüenta anos passarão e você será ainda uma criança, eu lhe prometo.
– Do que é que você está falando... Dois anos... Não é possível...
– Tudo é possível meu amor. O tempo pra você correrá ao contrário, a natureza também! Agora, vamos, tome o seu café, já está servido. Amanhã, logo que acordar, notará, será uma nova pessoa!
Café, sempre café. Gosto amargo-adocicado. Pra acompanhar, uma fatia de pão com geléia. Ao leva-los à boca, notou, não era a sua... estava mais carnuda, abertura menor... Susto súbito! De que cor eram mesmo seus olhos? Alívio. Azuis como o céu da primavera dizia sua mãe quando ainda era muito pequena. Uma xícara atirada para longe. No espelho confirmara o reflexo espelhado no gosto amargo-adocicado - Estavam verdes, cristalinos como nunca!
Precisava sair – AR! Desvencilhara-se do sono já habitual (o café parecia fazer-lhe efeito contrário).
– Vai sair? – perguntou-lhe a voz grave que foi respondida com um assentimento de cabeça. Foram ao shopping. Já havia se acostumado com a superproteção, não opôs resistência à companhia. A vinte metros à sua frente, ao saírem da loja de maquiagens, sua melhor amiga (desde a infância) – há quanto tempo não a via...? – lentamente em sua direção parecia reconhecer mais a companhia a seu lado que a ela própria. Esboçou sentimentos calorosos, recebeu frieza e formalidades, sentia-se perdida. O tom grave do marido alertara-lhe sobre amizades.
Em meio a sobressaltos regulares sonhou durante toda a noite. Homens de branco. Em todos o mesmo rosto, esculpido em mármore, inerte. Todas as caras eram do Sr.Dr.Seu marido, homem com quem havia se casado mais por sua própria carreira promissora de modelo que pelas afeições que por ele sentia - cirurgião plástico de renome, podre de rico. Agora, em seu sonho, todos haviam se transformado em enormes relógios a girar em sentido anti-horário numa ciranda que a cada volta se aproximava mais e mais dela. Sentiu pavor claustrofóbico. Tentou gritar, sua voz não saía. Todos os relógios, agora, um a um, puseram-se a entrar dentro dela por uma fenda aberta em seu ventre. Em segundos, ela própria havia se transformado em um gigante relógio com ponteiros anti-horários. Por fim conseguiu gritar e seu grito era um choro de criança a implorar proteção.
Olhou-se no espelho naquela que supunha ser a manhã seguinte... Outra pessoa, não sabia mais reconhecer sua alma.
Tempo! Lembrou-se de olhar no calendário. Não era possível! Três anos desde que conhecera seu marido. Somente algumas semanas, talvez alguns meses, era o que ela supunha... Nada mais lhe pertencia, nem seu próprio tempo.
Lembrou-se do dia no shopping e do vendedor inconveniente da loja de maquiagens: - muito bonita sua filha! – disse ele – E muitíssimo parecida com o senhor!
Não reconheceu a atitude do marido que repentinamente abandonou a loja sem olhar para traz.
Olhando novamente para o espelho, atentou-se para o detalhe. O rosto angelical que carregava e independia de si era a imagem grave, porém feminina, do Sr.Dr.Seu marido.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Um dia por vez
A vida por um triz...
O dia seguinte talvez não exista.
A cada instante há uma nova erupção no vulcão da vida e o instante passado é a única garantia de que a vida continua
Nenhum grande tratado pode afeta-la, o curso segue:
Sem matrícula, notas de reprovação ou culpas,
Somente desistências.
O dia seguinte talvez não exista.
A cada instante há uma nova erupção no vulcão da vida e o instante passado é a única garantia de que a vida continua
Nenhum grande tratado pode afeta-la, o curso segue:
Sem matrícula, notas de reprovação ou culpas,
Somente desistências.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Falso Amor
Luminária Naja
************
O que é o amor?
O que é o amor?
O que é o amor?
O que é o amor?
Um discurso profundo em versos “camoníacos”
em que doar-se a outros é sempre muito mais importante
que doar-se a si mesmo.
O que é o amor?
O que é o amor?
O que é o amor?
Um discurso profundo em versos “camoníacos”
em que doar-se a outros é sempre muito mais importante
que doar-se a si mesmo.
(Falso Amor - Mário Deganelli)
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Tanto tempo
Quanto tempo perdido
Quantas perdas, quantas vozes tímidas
Quanto mel derramado
Quantas merdas, quantas frases cínicas
Quantos tormentos, quantas mortes vívidas
Tantas gentes, tantas vezes frígidas
Tanto tempo perdido
Nas certezas de minhas frases tímidas
Tanto fel declamado
Tantas rezas, tantas aves pudicas
Escandalosamente restos como fossem dívidas
Quantas vestes pra nudezes tísicas
Quanto tempo perdido
Quantas perdas, quantas vozes tímidas
Quanto mel derramado
Quantas merdas, quantas frases cínicas
Quantos tormentos, quantas mortes vívidas
Tantas gentes, tantas vezes frígidas
Tanto tempo perdido
Nas certezas de minhas frases tímidas
Tanto fel declamado
Tantas rezas, tantas aves pudicas
Escandalosamente restos como fossem dívidas
Quantas vestes pra nudezes tísicas
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Procura-se
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Um som triste
Da tristeza nasalada
Do berimbau que anima
A festa da capoeira
Da corredeira d’água
Violenta que calma a roça
Reizado, zabumba,
- bumba meu boi!
Sangra meu povo
Ganga meu rei,
...trilha!
Aldeia meu índio
Indica meu guia
Guia com voz de berrante
Ao curupira
Caipora
C’a espera do sonho de criança
Do saci
Só se assim...
...assim for
Gritar fino
Gritar doce
Agrupar
Grutar e acordar o cordel
C’a corda no pescoço
E amém putaiada
Amém.
(Grutesco - Mário Deganelli)
Cotidiano (ode às vezes)
Às vezes, tristeza
Às vezes, nada ...
Às vezes, recomendo que me deixem!
Não quero mais AS VEZES!
Não à “As vezes” intransigentes que cegam ...
Às vezes, respondo o meu sono e minha apatia meticulosa.
Às vezes, repetidas vezes, dou meu sufocamento e pra onde olho a vista bate... tudo é próximo.
Às vezes há frestas entre um dia e outro e algumas iluminuras aparecem ...
São fantásticas visões improváveis,
São artes líquidas que soturnas descobrem seus caminhos.
Sangues rarefeitos imbuídos de oxigênio e sonho. Às vezes transbordam e multiplicam infinitas vezes e mancham:
- Marcas rupestres num cotidiano fatídico e urgente.
Às vezes, tristeza
Às vezes, nada ...
Às vezes, recomendo que me deixem!
Não quero mais AS VEZES!
Não à “As vezes” intransigentes que cegam ...
Às vezes, respondo o meu sono e minha apatia meticulosa.
Às vezes, repetidas vezes, dou meu sufocamento e pra onde olho a vista bate... tudo é próximo.
Às vezes há frestas entre um dia e outro e algumas iluminuras aparecem ...
São fantásticas visões improváveis,
São artes líquidas que soturnas descobrem seus caminhos.
Sangues rarefeitos imbuídos de oxigênio e sonho. Às vezes transbordam e multiplicam infinitas vezes e mancham:
- Marcas rupestres num cotidiano fatídico e urgente.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
Masturbação
Descobriu aquele inusitado prazer na cozinha da casa de uma amiga, porém, nunca teve tendências exibicionistas, ao contrário, sempre teve dificuldades com o público, até com as mulheres, escassas em sua vida. Desde criança se valeu do intelecto para as relações mais próximas. Descobriu primeiro a habilidade matemática, anos depois a eloqüência retórica e por fim a filosofia. Mas não gostava muito das profundidades, apesar de introspectivo. Preferia ocupar-se, em momentos solitários, em hipotetizar artimanhas para impressionar e sustentar-lhe o status de ser inteligente. O que não percebia eram os comentários, em surdina, classificando-o no grupo dos pseudo-intelectuais metidos a filósofos do botequim de sua iniciação no álcool e nas drogas... Encontros semanais recheados de descobertas e reflexões interessantíssimas que eram inevitavelmente apagadas pela ressaca da manhã seguinte.
Mas naquela cozinha, depois de algumas cervejas e do ângulo privilegiado em relação à poltrona da amiga, que lhe permitia enxergar toda a extensão de suas coxas e parte de sua minúscula calcinha vermelha, foi que descobriu aquele estranho prazer. A masturbação havia já descoberto aos onze anos. Mas aquilo estava para muito além... o medo... o frio na barriga...
A partir deste episódio passou a masturbar-se nos lugares mais incríveis. Conseguiu até fazê-lo em uma praça pública, encoberto por sua mochila. E de outra feita, experimentou imensa liberdade no terraço deserto de seu prédio, lançando seu esperma ao sabor do vento refrescante.
Quase já não havia lugar que não houvesse experimentado. Só não havia conseguido ainda no elevador por haver lá uma câmera para inspeção. Não eu não houvesse tentado, faltava-lhe coragem suficiente. Temia a língua implacável do porteiro. E num dia destes, de horas de tentativas frustradas, conheceu a moça ruiva do décimo terceiro andar. Moça de família que preservava a moda antiga. Já nos primeiros encontros fez saber que era virgem e decidida a entregar-se somente após o casamento. Oferecia contudo, a profundidade de alma que em seu enamorado era tão ausente. Através dela, ele conheceu o amor... Desde então, seus prazeres já não lhe faziam o menor sentido...
Mas naquela cozinha, depois de algumas cervejas e do ângulo privilegiado em relação à poltrona da amiga, que lhe permitia enxergar toda a extensão de suas coxas e parte de sua minúscula calcinha vermelha, foi que descobriu aquele estranho prazer. A masturbação havia já descoberto aos onze anos. Mas aquilo estava para muito além... o medo... o frio na barriga...
A partir deste episódio passou a masturbar-se nos lugares mais incríveis. Conseguiu até fazê-lo em uma praça pública, encoberto por sua mochila. E de outra feita, experimentou imensa liberdade no terraço deserto de seu prédio, lançando seu esperma ao sabor do vento refrescante.
Quase já não havia lugar que não houvesse experimentado. Só não havia conseguido ainda no elevador por haver lá uma câmera para inspeção. Não eu não houvesse tentado, faltava-lhe coragem suficiente. Temia a língua implacável do porteiro. E num dia destes, de horas de tentativas frustradas, conheceu a moça ruiva do décimo terceiro andar. Moça de família que preservava a moda antiga. Já nos primeiros encontros fez saber que era virgem e decidida a entregar-se somente após o casamento. Oferecia contudo, a profundidade de alma que em seu enamorado era tão ausente. Através dela, ele conheceu o amor... Desde então, seus prazeres já não lhe faziam o menor sentido...
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Hoje, apresento-lhes outro conto. Uma história realística, possível e crua. Como é caracteristico dos contos que o Mário escreve.
Com a narrativa do autor, fica fácil "ver" toda a cena, com seus personagens em todos os pormenores.
Um texto forte, sem tornar a leitura pesada. Um enredo surpreendente sem a pretensão de levar ao ouvinte qualquer "lição de moral" ou coisa que o valha.
************
Esfregava-se, pacientemente ao balançar característico dos coletivos em trajeto esburacado contorcia-se baixinho, com gemidos imperceptíveis espremidos entre estranhos familiares passageiros. Hora e meia de fulminantes orgasmos, ponto a ponto, cheiro a cheiro, corpo a corpo. Quando encoxada demorava-se mais, às vezes deixava-se nos braços fortes de algum por dois ou até três pontos para além do seu, depois descia, culpada pelo atraso provocado em função de um gozo impensado. Culpava-se, mas só às vezes, de nunca ter tido coragem de romper as paredes condicionais de seu sexo, amargamente volvia estes pensamentos e segurava-se firme no próximo corrimão de ônibus da próxima volta-do-trabalho. Aliás, foi Dna.Edite a responsável pelo trabalho na “casa de família”. A mãe fez de novo como sempre fazia, pegou-a pelo braço e levou-a a assistente social como quem dizia: - “edite” novamente esta minha desgraça, não vou mais acaricia-la com o MEU pão de todo dia. Um empreguinho não lhe cairia nada mal, editava-a Dna.Edite. Casa de família, casal de velhinhos já assexuados pra que não se corra o risco da prenhice indesejada – sabe como é essa burra juventude – um salariozinho bacana que vai ajudar muito à senhora Dna. Mãe, etc., etc., etc.
A caminho de casa, naquele dia, pensou novamente nesta passagem de sua vida. No caminho que era seu fim de prazer. No seu prazer incompartilhado. Na falta e fartura duas vezes por dia vividas nas esfregações dos coletivos. Nos orgasmos gélidos dos ferros dos bancos. Nas entranhas que ardiam e aquietavam-se três ou quatro vezes por viagem. Quis morrer!
Afeiçoou-se certo dia por uma rapariga magra com rosto de anjo e foi sua primeira grande paixão e seu primeiro desencontro amoroso. Entremeio a delírios orgásmicos, seios com costas, boca com nuca, respiração ofegante, quase escandalosa, um grito lhe feriu os ouvidos como lanças agudas a atravessarem-lhe o coração - MORTE ÀS LÉSBICAS MALDITAS! Infinito caminhar até à porta de saída demorada qual o tempo da criação do universo para se abrir e faze-la sumir. Neste dia não foi trabalhar. Foi à praça para ser queimada em público pelo sol que às nove da manhã já se ardia em brasas. Suou frio, calafrio! Mudou de horário no trabalho. Uma hora mais cedo de castigo para a indulgência de si própria. Nunca mais amoleceu seu coração. Secou-o àquele sol ao ponto da carne seca. Iria conserva-lo assim.
Pôde sentir de outra vez o rijo e imponente cheiro de um gigante a tremer entre suas nádegas em busca desesperada de atenção. Fez-se de morta diante daquela novidade embora estivesse gostando - passou do ponto por mais de uma vez, porém. Melou-se com o gozo alheio. À noite, pela primeira vez, refazendo aquele filme, tocou-se, acariciou-se, machucou-se, desmanchou-se, chorou-se, amargurou-se, olhou-se e era só escuridão e noite.
Ontem, resolveu voltar a pé, sabia que seriam horas de caminhada noite adentro, arriscou. Caminhava passo a passo lentamente sem se importar com a noite. Pensava na vida sem saber que era sobrevida, sofrida, desvivida, desviada de seu curso. Pensava na falta de carícias ofertada por todos aos quais pôde conhecer. O pai com o qual sonhou e nunca teve, nem em registro de nascimento. A mãe que dedicava toda sua carne ao marido hostil. O padrasto a encarar suas pernas com babas a escorrer-lhe pelos cantos da boca. O homem colocado diante de si por um deus maldito qualquer, com olhos de fogo que não iluminavam a rua escura e deserta. Uma bofetada acariciante e mais carícias das unhas que lhe rasgavam a roupa e a pele. Nunca estivera tão próxima de alguém. Nunca ninguém estivera tão dentro dela. Teve tempo de gritar mas só gritou ao tempo do imenso prazer que lhe invadia. Vadia! Puta! Carícias para os ouvidos, lembranças de uma infância distante. Queria que seu príncipe se tivesse demorado mais, pensou que talvez não tivesse esse direito, chorou como criança. Desapareceu de si com os últimos golpes de carícia metálica de um punhal que a muitas outras haviam acariciado.
(Carícias - Mário Deganelli)
Com a narrativa do autor, fica fácil "ver" toda a cena, com seus personagens em todos os pormenores.
Um texto forte, sem tornar a leitura pesada. Um enredo surpreendente sem a pretensão de levar ao ouvinte qualquer "lição de moral" ou coisa que o valha.
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Esfregava-se, pacientemente ao balançar característico dos coletivos em trajeto esburacado contorcia-se baixinho, com gemidos imperceptíveis espremidos entre estranhos familiares passageiros. Hora e meia de fulminantes orgasmos, ponto a ponto, cheiro a cheiro, corpo a corpo. Quando encoxada demorava-se mais, às vezes deixava-se nos braços fortes de algum por dois ou até três pontos para além do seu, depois descia, culpada pelo atraso provocado em função de um gozo impensado. Culpava-se, mas só às vezes, de nunca ter tido coragem de romper as paredes condicionais de seu sexo, amargamente volvia estes pensamentos e segurava-se firme no próximo corrimão de ônibus da próxima volta-do-trabalho. Aliás, foi Dna.Edite a responsável pelo trabalho na “casa de família”. A mãe fez de novo como sempre fazia, pegou-a pelo braço e levou-a a assistente social como quem dizia: - “edite” novamente esta minha desgraça, não vou mais acaricia-la com o MEU pão de todo dia. Um empreguinho não lhe cairia nada mal, editava-a Dna.Edite. Casa de família, casal de velhinhos já assexuados pra que não se corra o risco da prenhice indesejada – sabe como é essa burra juventude – um salariozinho bacana que vai ajudar muito à senhora Dna. Mãe, etc., etc., etc.
A caminho de casa, naquele dia, pensou novamente nesta passagem de sua vida. No caminho que era seu fim de prazer. No seu prazer incompartilhado. Na falta e fartura duas vezes por dia vividas nas esfregações dos coletivos. Nos orgasmos gélidos dos ferros dos bancos. Nas entranhas que ardiam e aquietavam-se três ou quatro vezes por viagem. Quis morrer!
Afeiçoou-se certo dia por uma rapariga magra com rosto de anjo e foi sua primeira grande paixão e seu primeiro desencontro amoroso. Entremeio a delírios orgásmicos, seios com costas, boca com nuca, respiração ofegante, quase escandalosa, um grito lhe feriu os ouvidos como lanças agudas a atravessarem-lhe o coração - MORTE ÀS LÉSBICAS MALDITAS! Infinito caminhar até à porta de saída demorada qual o tempo da criação do universo para se abrir e faze-la sumir. Neste dia não foi trabalhar. Foi à praça para ser queimada em público pelo sol que às nove da manhã já se ardia em brasas. Suou frio, calafrio! Mudou de horário no trabalho. Uma hora mais cedo de castigo para a indulgência de si própria. Nunca mais amoleceu seu coração. Secou-o àquele sol ao ponto da carne seca. Iria conserva-lo assim.
Pôde sentir de outra vez o rijo e imponente cheiro de um gigante a tremer entre suas nádegas em busca desesperada de atenção. Fez-se de morta diante daquela novidade embora estivesse gostando - passou do ponto por mais de uma vez, porém. Melou-se com o gozo alheio. À noite, pela primeira vez, refazendo aquele filme, tocou-se, acariciou-se, machucou-se, desmanchou-se, chorou-se, amargurou-se, olhou-se e era só escuridão e noite.
Ontem, resolveu voltar a pé, sabia que seriam horas de caminhada noite adentro, arriscou. Caminhava passo a passo lentamente sem se importar com a noite. Pensava na vida sem saber que era sobrevida, sofrida, desvivida, desviada de seu curso. Pensava na falta de carícias ofertada por todos aos quais pôde conhecer. O pai com o qual sonhou e nunca teve, nem em registro de nascimento. A mãe que dedicava toda sua carne ao marido hostil. O padrasto a encarar suas pernas com babas a escorrer-lhe pelos cantos da boca. O homem colocado diante de si por um deus maldito qualquer, com olhos de fogo que não iluminavam a rua escura e deserta. Uma bofetada acariciante e mais carícias das unhas que lhe rasgavam a roupa e a pele. Nunca estivera tão próxima de alguém. Nunca ninguém estivera tão dentro dela. Teve tempo de gritar mas só gritou ao tempo do imenso prazer que lhe invadia. Vadia! Puta! Carícias para os ouvidos, lembranças de uma infância distante. Queria que seu príncipe se tivesse demorado mais, pensou que talvez não tivesse esse direito, chorou como criança. Desapareceu de si com os últimos golpes de carícia metálica de um punhal que a muitas outras haviam acariciado.
(Carícias - Mário Deganelli)
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Sobre o tempo e as pessoas
Um dos textos do Mário que eu mais gosto.
Sempre que o releio, me bate uma certa nostálgia, o texto parece que me transporta para o passado e para as pessoas que "passaram" com ele.
Como se fosse um tapa , não consigo reler sem que permaneça suas marcas em minha face.
E a sensação que me fica é que o tempo se vai, voando e gritando. Continuamos em passos lentos e surdos.
***
Bateu-me hoje um sentimento nostálgico que me fez ver o tempo como uma pessoa de carne e osso da qual a gente sente falta e só descobre esta falta nestes momentos de nostalgia. Aí fiquei tentando contar e relembrar quantas pessoas já deixei passar sem saber que sentia e era bom sentir...
Invadiu-me então uma saudade de há dois dias – do tempo de ontem e do de anteontem.
Aí percebi que na verdade o egoísmo não é um fim nele mesmo; ele só existe pelo medo que as pessoas sentem de perder, ou o tempo ou as pessoas de carne e osso – que também são tempos.
Pura falta de comunicação!
É que se o tempo pudesse gritar como as pessoas de carne e osso e dissesse: – Ei, panaca, olha eu voando! – Talvez as pessoas não ficassem tão egoístas e percebessem que o tempo também grita em silêncio e que as pessoas de carne e osso ficam sem voz...
O estado de torpor seria um tempo de ouvir e de silenciar.
Pensei nestas escrituras e achei que estavam ficando crônicas demais!
Aí pensei de novo no tempo que voa e tive a impressão de que esse vôo nunca é só ... Sempre vão pessoas, essas sim, de carne e osso, conduzidas pelo tempo. E nosso egoísmo nada mais é que as marcas das pessoas de carne e osso que passam pela gente (conduzidas pelo tempo que passa voando) e tentam se agarrar em nós na tentativa de parar esse vôo involuntário.
Pude ver cada rosto de todas as pessoas que voaram e se agarraram em mim e pude então perceber cada marca, cada cheiro, cada sangue que pingou revelando a carne crua...
Serenei-me novamente num estado de torpor de antes do tempo me fazer escrever, ...
... desde o dia em que não escrevia crônicas,
só agudas poesias...
[Escrituras atualizadas de maio de 1998 (Sobre o tempo e as pessoas) - Mário Deganelli)
Sempre que o releio, me bate uma certa nostálgia, o texto parece que me transporta para o passado e para as pessoas que "passaram" com ele.
Como se fosse um tapa , não consigo reler sem que permaneça suas marcas em minha face.
E a sensação que me fica é que o tempo se vai, voando e gritando. Continuamos em passos lentos e surdos.
***
Bateu-me hoje um sentimento nostálgico que me fez ver o tempo como uma pessoa de carne e osso da qual a gente sente falta e só descobre esta falta nestes momentos de nostalgia. Aí fiquei tentando contar e relembrar quantas pessoas já deixei passar sem saber que sentia e era bom sentir...
Invadiu-me então uma saudade de há dois dias – do tempo de ontem e do de anteontem.
Aí percebi que na verdade o egoísmo não é um fim nele mesmo; ele só existe pelo medo que as pessoas sentem de perder, ou o tempo ou as pessoas de carne e osso – que também são tempos.
Pura falta de comunicação!
É que se o tempo pudesse gritar como as pessoas de carne e osso e dissesse: – Ei, panaca, olha eu voando! – Talvez as pessoas não ficassem tão egoístas e percebessem que o tempo também grita em silêncio e que as pessoas de carne e osso ficam sem voz...
O estado de torpor seria um tempo de ouvir e de silenciar.
Pensei nestas escrituras e achei que estavam ficando crônicas demais!
Aí pensei de novo no tempo que voa e tive a impressão de que esse vôo nunca é só ... Sempre vão pessoas, essas sim, de carne e osso, conduzidas pelo tempo. E nosso egoísmo nada mais é que as marcas das pessoas de carne e osso que passam pela gente (conduzidas pelo tempo que passa voando) e tentam se agarrar em nós na tentativa de parar esse vôo involuntário.
Pude ver cada rosto de todas as pessoas que voaram e se agarraram em mim e pude então perceber cada marca, cada cheiro, cada sangue que pingou revelando a carne crua...
Serenei-me novamente num estado de torpor de antes do tempo me fazer escrever, ...
... desde o dia em que não escrevia crônicas,
só agudas poesias...
[Escrituras atualizadas de maio de 1998 (Sobre o tempo e as pessoas) - Mário Deganelli)
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